Colônia, 17 a 21 de julho de 2019.

Catedral de Colônia – o ponto turístico mais visitado da Alemanha.
Dentro dela estariam as ossadas dos três Reis Magos. 

Hoje é sábado e estou em Colônia, Alemanha, desde quarta-feira. Vim direto de São Tomé, passando por Lisboa. Sair de um país pequeno, do continente africano, financeiramente pobre, e vir para um dos locais mais ricos do planeta é uma oportunidade única para entender algo do nosso inexplicável mundo.

Querem saber o que entendi? Isso, que ele é inexplicável.

Vista do Neumakt

O que me traz à Colônia é um convite diferente dos que estou acostumado a receber, quase insólito. A Fundação C&A, essa mesma, das lojas de roupas, organizou um processo com algumas pessoas que ela identificou que poderiam colaborar para prever algo sobre o futuro da indústria da moda. Pessoas de todos os continentes, grupo pequeno, pouco mais do que vinte. Dos que me leem, aliás cada vez em número menor, meus filhos já me explicaram que blog é um meio arcaico de se comunicar, não sei quem já refletiu sobre a loucura do mundo da moda. Porque compro uma roupa chique em uma loja cara em Milão e encontro, quase discretamente, uma etiqueta Made in Indía? Como uma roupa chega da China na minha pequena cidade e é vendida em uma loja de “tudo por vinte reais”? Quais os custos de uma transação como essa? Qual o impacto sobre o meio ambiente, quanto ganhou um trabalhador dessa cadeia de produção? Galera discutindo sobre a industria da moda!

Essas são as duas perguntas fundamentais dessa reunião que participei. Como a indústria da moda poderá responder a esses dois problemas: pobreza e sustentabilidade. Ao menos garantir que seus processos tenham impacto positivo sobre essas duas questões. Impacto é uma dessas palavrinhas da moda. Ouvi aqui que os investidores, de qualquer setor, não se preocupam mais apenas com análises de riscos e retornos. Também querem medir impactos positivos das ações derivadas do seu investimento. Imagino que, se não todos, ao menos alguns deles. Na reunião ouvi algumas das ideias que esses tais especialistas, eu incluído (sic), levantaram. Economia circular é outra palavra da moda. Deveriam as grandes marcas, C&A é uma delas, ter um vigoroso setor de roupas usadas nas suas lojas? Deveriam estimular seus clientes a levar para trocar as roupas que não querem mais? Ou deveriam ter obrigação sobre seu lixo? Nesse último caso, seria sua responsabilidade dar um destino às roupas vendidas por elas e que não mais interessam a quem comprou.

Na Suécia, isso já acontece com o lixo. Olha que show: uma lata de coca-cola que está no chão de uma cidade sueca é responsabilidade da coca-cola. Legal né? Adivinha o que a empresa faz? Máquinas de coleta espalhadas pela cidade, você leva a lata na máquina e tira uma graninha por cada uma que entregar.Ruas de Colônia

Ah, esqueci, não podemos fazer isso porque seria tirar a liberdade das empresas… uma lata no chão é culpa minha ou sua que a jogamos ali. Resolvido. Responsabiliza-se o cidadão e onera-se o estado, responsável por dar destino a essa lata. As empresas nadam em águas serenas.

Voltando às roupas, à indústria da moda, talvez mais preciso dizer à perversa indústria da moda, como ela poderia ser mais contemporânea? Menos século XIX, mais século XXI? 

Esta é a tal pergunta de um milhão de dólares, que esse processo que estou participando quer responder!

Em São Tomé, capital de São Tomé e Príncipe, de onde acabo de vir, nas praças e em cada esquina, vemos vendedores ambulantes de roupas. Que roupas? Roupas doadas pela Europa. Europeus que sentem-se sensibilizados com a pobreza africana. Bonito isso, e falo sem ironia. Mas doam do que tem ou do que sobra? Doam roupas ou lixo? Estive na África algumas vezes, Moçambique, Uganda, São Tomé e outros. É visível que a oferta que vejo nas ruas, de roupas usadas, é superior às suas necessidades. Certa vez comprei um short da adidas com um desses vendedores. Dois euros. Cobrou caro porque eu era estrangeiro. Antes que alguém pense, não considero errado vender o que ganharam. É uma maneira de fazer um sistema de distribuição funcionar e de circular certa grana. Nesse caso, e não é o único, o pecado está mais na capital, menos na periferia. Voltando ao que comentei, sendo a oferta superior às necessidade, sobra muita coisa. E o que sobra, o que é? Lixo. Lixo europeu, devida e solidariamente exportado para África. E não é só com roupa nem só com países africanos que ocorre isso. Lembro quando o Brasil liberou a importação de pneus usados… pneus… hahaha e pqp… não sei se ainda está em vigor, mas que rolou, rolou. 

Schildergasse

Bom, a prosa é longa. A reunião foi interessante e, ao sair dela, caminhei pela famosa rua Schildergasse, o point das compras em Colônia. Todos de sacola na mão. As grandes marcas, Zara, HM, Nike, e tantas outras, em liquidações de verão. Pensei na sustentabilidade da indústria da moda… Passei na C&A e vi camisetas de algodão a € 1,40. Pensei nos produtores de algodão, nos trabalhadores das fábricas. Em quanto eles ganham… Fiquei calculando em quanto tempo essas roupas estariam disponíveis nas ruas de São Tomé… Não, não é uma equação fácil de responder…

Não posso achar ruim que as empresas preocupem-se com isso. Pelo contrário. Se a preocupação é sincera e se está disposta a cortar na própria carne, acho muito bom. Não sei, prefiro crer que sim, ser intelectual pessimista todo o tempo deve cansar, por sorte não sou nem um nem outro. 

Deprimido com tantos pensamentos, com tantas perguntas sem respostas, fui procurar uma cervejaria, para tomar a famosa Kölsch, a cerveja de Colônia! Acompanhada de salsichas e batatas!

A cidade é muito simpática e nesses dias pude caminhar por ela, pelas estreitas ruas da cidade antiga, ver sua famosa catedral, tomar cafés e sorvetes, comprar comidinhas orgânicas para levar.

E esse será meu único post de Colônia. Amanhã já regresso à casa, nesses dias aqui, além da reunião e de andar pela cidade (curti muito a Haupmarkt), aproveitei para descansar no excelente hotel que fiquei, o Pullman Cologne, e escrever dois capítulos do Vozes da Agricultura Ecológica 2, que tenho desejo de lançar ainda este ano. Veremos!

Na próxima viagem internacional, que não sei qual será, conto mais. Fui!


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